Direito de Família na Mídia
A diferença entre direitos fundamentais e humanos e cláusulas pétreas
02/07/2018 Fonte: ConjurPor Adriana Cecilio Marco dos Santos
Não é incomum vermos petições iniciais, textos jurídicos ou ainda mais comumente, manifestações nas redes sociais — advindas de pessoas afetas ao mundo jurídico, tomando os termos técnicos referidos no título como sinônimos. Ante essa realidade o presente artigo visa tentar lançar luz sobre as principais diferenças entre essas terminologias, de forma muito sucinta, longe da ambição de esgotar os temas.
Os direitos fundamentais estão elencados no título II do texto constitucional do artigo 5º ao 17. Todos os direitos assentados ao longo desse capítulo se tratam de direitos fundamentais. Ao contrário do que muitas pessoas equivocadamente acreditam, não temos direitos fundamentais apenas no artigo 5º. Além desses artigos, temos ao longo do texto constitucional diversos direitos considerados fundamentais, vide os artigos 205, 225, 226, dentre outros.
Direitos fundamentais são direitos positivados no texto constitucional, imanentes a condição de ser humano. Essa é uma definição bem simples, mas que abarca o sentido dessa locução.
Já garantias fundamentais, no dizer do professor Paulo Bonavides, são: “Um meio de defesa, se coloca então diante do direito, mas com este não se deve confundir”[1]. As garantias são os instrumentos através dos quais o cidadão podem assegurar seus direitos fundamentais.
Exemplos de garantias fundamentais são os remédios constitucionais: incisos LXVIII – Habeas Corpus, LXIX – mandado de segurança, LXX – mandado de segurança coletivo, LXXI – mandado de injunção, LXXII – habeas data, LXXIII – ação popular (todos do artigo 5º) e a ACP prescrita no artigo 129, inc. III, que se trata de outro exemplo de direito fundamental que está disposto fora do Título II do texto constitucional[2].
O famoso artigo 5º está posto no texto da Carta Magna sob o Capítulo I, do Título II da Constituição, recebendo o nome de “Dos Direitos e Deveres Individuais E Coletivos”. Desse capítulo, há muito a se dizer. Os constituintes originários, inicialmente, pensavam em fazer dois capítulos: um só de direitos individuais e outro só de direitos coletivos, por fim, acabaram unificando os dois tipos de direitos em um só artigo e capítulo.
Quem menciona esse fato é o professor José Afonso da Silva: “Houve propostas, na Constituinte, de abrir-se um capítulo próprio para os direitos coletivos”[3]. O reflexo da decisão tardia de unir em só artigo as duas classes de direitos pode ser notado por um falha significativa, que explicaremos a seguir.
Os direitos individuais, elencados no Capítulo I do artigo 5º, são também conhecidos como direitos de primeira geração[4]. Se tratam de direitos que visam assegurar a autonomia do indivíduo perante a sociedade, são os que garantem a sua independência diante dos demais membros do grupo social. Exemplos de direitos individuais são: o direito constitucional à vida, à igualdade, à segurança, à propriedade, à privacidade, dentre tantos outros positivados no texto constitucional em diversos incisos do artigo 5º.
Os direitos coletivos, classificados pela doutrina como direitos de segunda geração, são afetos ao bem estar do cidadão reclamam uma postura, uma contrapartida por parte do Estado. São exemplos de direitos coletivos: direito de reunião e de associação (artigo 5º, incisos XVI a XX), direito de entidades associativas representarem seus filiados (5º, XXI), direito de receber informações dos órgãos públicos de interesse coletivo (5º, XXXIII) e o direito de petição (5º, XXXIV), dentre outros que estão fora do artigo 5º.
O capítulo fala ainda em “deveres”, onde encontramos os deveres no artigo 5º? Quando o constituinte originário se refere ao termo “dever”, está pontuando que todos tem o dever de respeitar os direitos fundamentais. O mandamento constitucional serve com mais ênfase ao Estado que deve tanto respeitar os direitos individuais não invadindo a esfera privado do cidadão, como fomentar os direitos coletivos atuando como lhe cabe para que eles sejam concretizados.
E as cláusulas pétreas? Serão todos os direitos fundamentais cláusulas pétreas? Muitos responderiam que sim, contudo, essa não é a verdade. Cláusulas pétreas são aquelas normas delimitadas pelo constituinte originário como sendo o cerne do texto constitucional, portanto, não podem ser abolidas, modificadas nem mesmo através de emenda constitucional.
A Carta Magna estabelece, em seu artigo 60, parágrafo 4º, quais são as chamadas cláusulas pétreas[5]: I- Forma federativa de estado; II- Voto direto, secreto, universal e periódico; III- a separação dos poderes; IV- os direitos e garantias individuais.
A forma federativa de estado se encontra prevista no artigo 1º e a separação dos poderes no artigo 2º, ambos do Título I que recebe o nome de “Dos Princípios Fundamentais”[6]. Portanto, fora do Título II que trata dos Direitos Fundamentais, como já referimos. Veremos adiante que princípios fundamentais e direitos fundamentais são coisas distintas.
O voto direto, secreto, universal e periódico está posto no artigo 14, Capítulo IV da Constituição: “Dos Direitos políticos”. Logo, sim, o inciso II do parágrafo 4º, artigo 60 da Constituição, se trata de um direito fundamental.
O inciso IV aponta como cláusula pétrea os “direitos e garantias individuais”, como vimos eles estão colocados no texto constitucional no artigo 5º, incluindo-se por tanto no rol de direitos fundamentais. Mas, resta uma pergunta. O constituinte fala apenas em direitos individuais no inciso IV do parágrafo 4º. Seriam então passíveis de supressão os direitos coletivos? Essa questão é respondida com base no comentário feito supra acerca da falha do constituinte originário ao unificar em um só artigo os direitos individuais e coletivos.
Ao fazer essa escolha de unir os dois grupos de direitos em um único artigo o constituinte acabou por não inserir no artigo parágrafo 4º do 60, inciso IV os direitos coletivos, mas estes por certo constituem o rol de cláusulas pétreas, não podendo ser alvo de projeto de emenda constitucional tendente a aboli-los.
Quem explica essa omissão e a necessária interpretação extensiva é o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho que reconhece como equivocada a interpretação literal que exclui os direitos sociais, coletivos. Vejamos:
"A melhor interpretação é a que inclui entre os direitos protegidos pela “cláusula pétrea” também esses direitos sociais. Sim, porque, sendo as liberdades (como a de ir e vir) e os direitos sociais (como o direito à educação) direitos fundamentais, absurdo seria que as primeiras gozassem de proteção de não poderem ser abolidas, enquanto os segundos poderiam sê-lo. Certamente, a redação do artigo 60, parágrafo 4º, IV, da Constituição, o constituinte disse menos do que queria”[7].
E os princípios fundamentais, o que seriam? Como já mencionamos o Título I da Constituição possui o nome de “Dos Princípios Fundamentais”, do artigo 1º ao 4º. Os princípios fundamentais representam as diretrizes de atuação da República Federativa do Brasil.
No artigo primeiro estão elencados os fundamentos do nosso país, os ideais sob os quais o nosso Estado Democrático de Direito se erige. No artigo segundo a separação dos poderes. No terceiro temos os objetivos fundamentais, o que o Estado Brasileiro busca como nação e no artigo quarto encontramos os princípios que regem as relações internacionais do país.
Portanto, os princípios fundamentais se ligam a noção de concepções fundamentais da nossa República.
Já os chamados princípios constitucionais, presentes ao longo de quase todo o texto constitucional, são direitos de alta densidade que o cidadão possui, tais como: o princípio da legalidade, do devido processo legal, da presunção de inocência, o in dubio pro reo, da anterioridade, dentre muitos outros.
E, por fim, o que seriam os direitos humanos? Todos os direitos fundamentais são direitos humanos? A resposta é, depende. Em relação a essa pergunta há diversas correntes interpretativas, portanto as respostas são bastante plurais. Essa é sem dúvida a parte mais complexa do texto.
Nos filiamos aos que entendem que direitos humanos são aqueles estabelecidos em documentos internacionais. São normas supraestatais que possuem um caráter universal, ou seja, que são aplicáveis a todas as pessoas independentemente do país em que vivem.
O professor Ingo Sarlet explica que alguns autores classificam todos os direitos fundamentais como direitos humanos[8], posto que o destinatário da norma é o humano. Contudo, entendemos que se os direitos humanos dimanam de uma norma internacional que precisa ser aplicável a todo ser humano em qualquer lugar do mundo, nem todos os direitos fundamentais positivados no texto constitucional brasileiro poderiam ser classificados como direito humano dada a ausência desse viés universalizante.
Um exemplo de garantia/direito fundamental que não poderia ser classificado como um direito humano pela ausência desse viés universal, no entendimento dessa autora, seria o mandado de segurança que é um instrumento nascido no ordenamento jurídico pátrio. Relembrando que classificamos o remédio heroico como garantia fundamental, explicando em nota de rodapé seu caráter dúplice — direito e garantia fundamental.
É importante explicar também que para essa norma internacional ingressar e passar a viger no ordenamento jurídico pátrio é preciso uma tramitação específica. A forma de incorporação de tratados internacionais de direitos humanos está definida no texto constitucional no parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal, que prevê a necessidade de um trâmite idêntico a aprovação de emendas constitucionais para que o tratado passe a fazer parte do nosso ordenamento jurídico com status de norma constitucional.
Até então, aprovado nos termos previstos no parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição, tivemos apenas o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que com isso passou a integrar o texto constitucional brasileiro.
Mas existem outras normas internacionais presentes no ordenamento jurídico brasileiro como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, a qual o Brasil aderiu em 1992. Portanto, anterior a Emenda 45/2004 que incluiu o parágrafo 3º no artigo 5º do texto constitucional brasileiro.
Como esse importante tratado não havia ingressado com status de norma constitucional, em 2008 o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Pacto de San José da Costa Rica possuía status hierárquico de norma supralegal, ou seja, abaixo da constituição — posto que não fora aprovado conforme disposto no parágrafo 3º da Constituição[9]; mas acima das normas infraconstitucionais.
Ainda, vale destacar a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que influencia todo o texto constitucional brasileiro, sendo possível identificar diversos incisos do artigo 5º que foram extraídos desse importante texto internacional.
Então visando esclarecer a pergunta: “Direitos fundamentais são direitos humanos?”. Bem, essa autora entende que direitos fundamentais e direitos humanos não devem ser utilizadas como expressões sinônimas. Alguns direitos humanos estão no nosso texto constitucional. Mas alguns direitos fundamentais que estão na nossa Carta Magna não se enquadram na definição de direitos humanos a qual nos filiamos.
Por fim, temos que: não só os direitos postos no artigo 5º são direitos fundamentais. Nem todos os direitos fundamentais são cláusulas pétreas. Nem todas as cláusulas pétreas são direitos fundamentais. Princípios fundamentais e princípios constitucionais não são a mesma coisa. Nem todos os direitos fundamentais são direitos humanos.
Vejam que diversos temas são bastante espinhosos e admitem variadas interpretações. O intuito do texto é auxiliar a desvendar e apontar as principais diferenças entre as terminologias, mas, nada supera a necessidade de um estudo mais aprofundado de cada um dos termos para dirimir quaisquer dúvidas que ainda possam subsistir.